18/12/2014
COOPERATIVAS MÉDICAS PODEM TER FARMÁCIAS
Luiz Carlos Galvão
de Barros
Advogado
As cooperativas que integram o Sistema Unimed de
prestação de serviços médicos, atuando como operadoras de planos de saúde, vivenciaram
ao longo de anos incessantes batalhas judiciais, de que participamos, para
verem reconhecido o seu direito a abrir e manter farmácias.
Como não se pode ignorar, as cooperativas de trabalho, em que se
inserem as cooperativas médicas, são sociedades instrumentais que viabilizam a
agregação dos profissionais de determinada categoria, oferecendo-lhes os meios
para se aproximarem dos usuários, diretamente, eliminando, assim, a
intermediação de caráter mercantil.
Trata-se, dessa forma, de sociedade peculiar, que se sustenta em
conceito fixado em estrutura jurídica própria, uma vez que pautada pelas regras
contidas na Lei Federal n. 5.764/71, denominada "Lei das Sociedades
Cooperativas”. Portanto, a sua atuação não é considerada uma atividade
empresarial estrito senso. Confira-se, a propósito, o que dispõe o art. 3º da
citada Lei: "celebram contrato de
sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com
bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum,
sem objetivo de lucro”.
Estabelecida essa premissa atinente à sua natureza
jurídica, de se esclarecer que as cooperativas médicas passaram a interessar-se
pelo fornecimento de medicamentos aos beneficiários de seus planos de saúde a
partir da constatação de que o uso adequado de medicação por parte dos
pacientes integra e completa a atividade de prestação de assistência à saúde,
constituindo-se, pois, em assunto correlato ao exercício da medicina e ligado
ao aprimoramento dos serviços de natureza médica.
Principalmente em razão dos altos preços dos
medicamentos, identificaram as Unimeds essa atividade como de interesse da
cooperativa e do usuário, podendo – com o oferecimento de medicamentos de
qualidade garantida e a preços de custo (valor de fabricação + despesas e
tributos) – incluir um elemento a mais a contribuir para o aprimoramento dos
serviços.
Nesse contexto, o fornecimento de remédios a preço de
custo ganha importância não só com relação aos objetivos da cooperativa médica,
no qual se insere, como já dito, o aprimoramento dos serviços médicos, como
também em termos de bem-estar para a comunidade de usuários dos planos de saúde
da Unimed.
A abertura de farmácias pelas Unimeds, contudo, foi
incansavelmente combatida por organismos que congregam os comerciantes de
farmácia – sindicatos e associações – posto que a eles não interessa essa
salutar concorrência. E o próprio Conselho Regional de Farmácia, via de regra,
se nega a proceder ao registro da farmácia e da assunção de responsabilidade
técnica por farmacêutico para tanto contratado, sem o que as farmácias não
obtêm licenciamento para o seu funcionamento, obrigando as cooperativas médicas,
muitas com a participação do subscritor, a buscar guarida à suas pretensões
junto ao Poder Judiciário.
A alegação que fundamenta a pretensa
impossibilidade de que as cooperativas médicas tenham seu departamento de
farmácia reside no fato de que seus sócios são médicos, o que estaria em
desacordo com a legislação.
De se considerar, contudo, que a
Constituição da República, no seu art. 170, parágrafo único, conferindo
efetividade a um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, assim
proclama: "É assegurado a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de
órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
É indiscutível, portanto, que o
exercício de qualquer atividade econômica constitui-se em direito
constitucional, dependendo de autorização tão-somente nos casos previstos em
lei. No que tange à matéria em discussão, em se tratando de serviços relativos
a fornecimento de medicamentos, estabeleceu-se por lei a fiscalização estatal e
a necessidade de licença de funcionamento a ser examinada e concedida pelo
órgão competente da Vigilância Sanitária, nos termos da Lei Federal n. 5.991,
de 17 de dezembro de 1973 (arts. 21, 22 e 23).
E, cumprindo os requisitos legais
previstos, entre os quais se insere a contratação de farmacêutico, devidamente
habilitado perante o Conselho Regional de Farmácia, ou seja, inscrito nesse
órgão, para a assunção da responsabilidade técnica do estabelecimento, não
poderá ser negado o licenciamento sob pena de ferir-se direito líquido e certo
da Unimed interessada.
Quanto à invocação do Decreto nº 20.931,
de 1932, não tem ele a mínima pertinência, quer porque superada a norma ali
prevista pelo advento da Constituição de 1988, quer porque o que o seu art. 16
veda é que o médico faça parte de empresa que explore o comércio ou a indústria
farmacêutica e, no caso, cuida-se de cooperativa, sem intuito de lucro e sem
participação direta do médico no estabelecimento farmacêutico.
Os tribunais, já no início da guerra
judicial que se travou, com algumas exceções, deram razão às Unimeds,
entendendo legítima a abertura de suas farmácias (Agravo nº 200201000148260/MG,
6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 7/10/2002, DJ de
23/10/2002, p. 232, Rel. Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti
Rodrigues; Agravo nº 199903000210255/SP, 4ª Turma do Tribunal Regional Federal
da 3ª Região, 22/03/2000, DJU de 9/03/2001, p. 294, Relatora Desembargadora
Federal Therezinha Cazerta).
E
inúmeros julgados advieram, na última década, na sua grande maioria afastando
os óbices criados pelos que tentavam impedir a abertura e o funcionamento das
farmácias das Unimeds.
Atualmente,
submetida a matéria incontáveis vezes ao Superior Tribunal de Justiça,
sedimentou-se a jurisprudência naquela Corte, conforme segue:
"ADMINISTRATIVO. FARMÁCIA. COOPERATIVA
MÉDICA SEM FINS LUCRATIVOS. INAPLICABILIDADE DO ART. 16, "G” DO DECRETO N.
20.931/32. PRECEDENTES.
1 ...
2. O referido
dispositivo legal é inaplicável ao presente caso, uma vez que a farmácia em
questão não tem a finalidade comercial, pois visa atender a médicos cooperados
e a usuários conveniados, ao praticar a venda de remédios a preço de custo.
Inexiste, no caso dos autos, concorrência desleal com farmácias em geral, em
face da ausência de fins lucrativos e do intuito de prestar assistência aos
segurados de seu plano de saúde, quando respeitados os Códigos de Ética Médica
e de Defesa do Consumidor.
3 "A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é sedimentada no sentido de que
não viola o art. 16, alínea "g”, do Decreto nº 20.931/32, a permissão dada à
cooperativa médica, sem fins lucrativos, para manter farmácia destinada a
fornecer medicamentos aos seus associados, pelo preço de custo. Logo não há que
se falar em concorrência desleal por conta dessa prática” (AgRg no REsp
1.159.510/SP, Rel Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em
23.3.2010).
4. Agravo regimental
improvido”
(Agravo Regimental no Agravo nº 1313736/SP, Relator
Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, D.J. de 19/10/2010)
Bem
por isso, em decisão recente da Vice-Presidência do Tribunal Regional Federal
da 3ª Região (São Paulo), em mandado de segurança impetrado pela Unimed de
Andradina contra o Conselho Regional de Farmácia, foi inadmitido recurso
especial interposto por este último diante de acórdão que reconheceu a inaplicabilidade
do Decreto nº 20.931/32, garantindo o funcionamento da farmácia daquela Unimed
(Processo nº 0010444-04.2003.4.03.6100/SP, Publicação de 5/09/2014).
E,
em decisão recentíssima, o mesmo Tribunal, julgando apelação do Conselho
Regional de Farmácia, versando sobre a matéria, veio a negar provimento ao
recurso, confirmando decisão em mandado de segurança de interesse da Unimed de
Araraquara que reconheceu o seu direito a ter sua farmácia para fornecer
medicamentos a seus usuários (Apelação nº 0030640-53.2007.4.03.6100/SP,
Relatora Des. ALDA BASTO, D.J. de 27/11/14).
Daí porque inexistir pertinência, nos dias de hoje,
para oposição ao direito das Unimeds de abrir e manter farmácia privativa para
fornecimento de medicamentos, a preço de custo, aos beneficiários de seus
planos de saúde.